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domingo, 31 de janeiro de 2010

Metapalavra

Não havia uma multidão correndo atrás de mim querendo me punir. Não foi isso. Também não passei a receber cartas de estudiosos em Literatura a me questionar. Eles nem teriam tempo. Nem tive pesadelos com sílabas poéticas caindo sobre minha cabeça, ou a fórmula métrica de um soneto se desenhando misteriosamente sobre a tela do meu computador. Nada disso.

Foi bem mais simples. Deparei-me – e não é a primeira vez – com a instigante discussão acerca da responsabilidade de quem escreve. E aí sim, chuva de perguntas: Por que escreve? Para que escreve? Com que direito publica? E feito isso, como se intitula?

Instantes de ruga na testa e acuada por uma seta que apontava para mim, relaxei, desarmei e deixei cair os escudos ao som da linda canção da Mariana Aydar, que me veio à lembrança com ternura de absolvição:



"Eu não escrevo pra ninguém e nem pra fazer música
E nem pra preencher o branco dessa página linda
Eu me entendo escrevendo
E vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco
Ele me mostra o que eu não sei
E me faz ver o que não tem palavras
Por mais que eu tente são só palavras
Por mais que eu me mate são só palavras”



Se as palavras me saltam, eu salto junto. Não tenho medo de altura, nem de avaliação. Para o meu português ruim, há dicionário. Não meço, ignoro a métrica. E por puro desacordo, ignorarei também o Novo Acordo, até o último dia. Não conto as sílabas, nem os versos. Não me prendo, simplesmente porque não me pretendo tanto. Se elogiam o ritmo, agradeço, mas ele acontece, é porque a vida é assim, ritmada, ora mais lenta feito bolero, ora sofrida feito tango, ora mascarada de alegria feito samba-canção. E também porque leio Elisa Lucinda, que escreve – ela sim, consciente – com um ritmo incontestável, com rimas desinibidas, arteiras, a deslizar por entre os versos, dando um tom à leitura, que mais parece música.

E eu com isso? “Eu me entendo escrevendo e vejo tudo sem vaidade”. E balancem a cabeça em negativo: eu quero escrever um livro. E também plantar uma árvore. E também quero ter um filho. E depois disso tudo, só aí, eu meço a vaidade. Porque eu quero um livro pra sentir a combinação do cheiro desse meu entendimento com o das páginas novas. Eu quero plantar uma árvore bem maior que aquele feijãozinho que a gente colocou no algodão molhado na escola, lembra? E que meu filho leia muito, e com isso se sinta crescer ainda mais que a árvore.

Não é o desprezar da Teoria Literária, longe disso, por favor! Reivindico-a! Mas é a mais simples reivindicação da palavra, sem esperar, em nome disso, qualquer troféu. E há pressa, porque o prêmio se constitui na escrita, na possibilidade de dizer enquanto é tempo, onde ouso citar Clarice: "As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito."

Ofício para alguns, necessidade para outros, prazer, vício, vaidade e até arrogância, para tantos outros. Motivos não faltam. E entre os meus, não há o de mudar o mundo. Não sozinha. Não com as minhas palavras. Mas as palavras me modificam, são terreno fértil onde jogo o que pulsa para crescer, o que pede para extravasar, clama para ir além. É o que não cabe em mim. É o que insiste em não ficar do lado de dentro, porque o seu endereço está, na verdade, aqui fora. E de fora, só quer respirar. E se alguém desejar inspirar fundo comigo, que bom! Braços abertos!

“Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro.” (Clarice Lispector)

Despretensiosa, vez por outra, me sinto flor.

Imagem capturada do site www.rexonateens.com.br

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Meu dizer conjugado


Lendo as cotidianices tão bem retratadas pela Martha Medeiros, dei de cara com a minha própria fala. Sim, ela mesma, a tagarelice, a minha necessidade de dizer as coisas, de deixar tudo muito claro, de esgotar-me em textos, de me fazer ouvir e blá, blá, blá.

Há bem pouco tempo, num desses acessos de necessidade de dizer o que sinto para quem sentia, naquela hora, fui questionada sobre estar me humilhando, pois já tinha dito o suficiente. De pronto, o desacordo. Duplo. Não era humilhante. Não tinha sido suficiente. Ambos para mim.

Não era humilhante porque eu não estava pedindo nada. Pelo contrário, eu estava dando. O que eu fazia era entregar momentos, sentimentos, histórias que deveriam ser, necessariamente, partilhadas. Em pleno acordo com a Martha, (...) “Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ela é – ou foi – importante? Dizer, não como recurso de sedução, mas como um ato de generosidade, dizer sem esperar nada em troca. Dizer, simplesmente. (...) Por que negar ao outro aquilo que é dele, que na minha vida, sem essa divisão, não faria o menor sentido? Trancar vida vivida num vácuo infrutífero e impenetrável, me parece, no mínimo, perda de tempo. Calar essas palavras seriam dar continuidade a um jogo que eu nunca fiz a menor questão de jogar: o jogo da quietude, para manter no outro a sensação de dúvida, no aprisionamento da incerteza, uma máscara que em nada combina com a minha transparência. Prefiro o meu rosto limpo, ainda que, às vezes, molhado.

Suficiente, também ainda não. Isso era óbvio, porque a necessidade se formou. O abismo da ausência não impediu que as congruências continuassem a se construir, mesmo que restritas ao tempo do por enquanto. E se havia interseção, não era só meu. E sem pieguice, me soava como egoísmo guardar no meu espaço ímpar o que só surtiria efeito sendo par. E par, aqui, não precisa ser ao lado. Um par desformado, mas conectado, em algum lugar do universo, por algumas histórias que gravitavam ao redor de duas vidas e cujo desfecho, não foi exibido a dois.


Se você também concorda que foi humilhante e excessivo, saiba que esses dois adjetivos aparentemente pejorativos me serviram de grande alento. Causaram um belo suspiro de alívio. Sabe por quê? Porque eu dividi. Melhor ainda, porque eu entreguei a parte que não me cabia, ou que não cabia somente a mim.

Por isso eu carrego um certo orgulho em perceber que a palavra humilhação, no meu dicionário, aparece lá depois do “z”. Antes dela vem ainda a tentativa, a vontade, a verdade. Causa-me até algum sorriso a lembrança de todas as declarações feitas olhos nos olhos, na claridade, à meia luz, sussurradas ao pé-de-ouvido, ao telefone, por carta, bilhetes rabiscados ou por e-mail. E nenhuma delas por obrigação, ou cumprindo um ritual próprio e obrigatório das relações. Cada uma delas existiu por si e findavam em si. Eram o seu próprio universo. E habitavam boa parte do meu. Essa lembrança não me faz ridícula, nem tola. É meu próprio espelho e eu gosto da imagem que vejo.

Também não há a pretensão de concluir tudo. Não ouso querer terminar de assistir ao seriado lado a lado, ou enviar comentários de cada capítulo, caso eu os veja sozinha. Não me façam tão extrema. Não pretendo a nudez eterna. Mas mais uma vez de mãos dadas com Martha Medeiros, ratifico: “(...) mais que as mentiras, o silêncio é a verdadeira arma letal das relações humanas.
 
 
*citações da crônica “Falar”, do Livro Doidas e Santas, de Martha Medeiros. Editora LP&M.
 
Imagem capturada do blog www.melzinhakoykoy.blogs.sapo.pt

sábado, 16 de janeiro de 2010

Quanto tempo faz?


Peço licença, mais uma vez pra me servir do mesmo mote. Eu sei que o mundo inspira: o sol nasce a cada dia mais espetacular, há noites lindas de lua, a terra treme mundo afora e a poesia – ainda que abstrata – pode se fazer ungüento concreto pra quem sabe um dia.

Mas “me perdoe se eu insisto nesse tema, mas não sei fazer poema que não use o coração como expressão”. Sim, eu abusei. Abusei da entrega, abusei do risco, do salto, da falta de medo, do frio na barriga, dos sorrisos largos. Antes fosse como quando se abusa do uísque, garantindo a perda de memória amanhã. Mas não. Está tudo aqui e minha lembrança fez questão de autenticar.

Quanto tempo faz? Hoje faz tempo. Hoje faz o tempo diferente daquele. Daquele que não houve o medo de que chegasse alguém pra flagrar o desejo incontido num meio de tarde. Entre o vai-e-vem de gente, um beijo seguido do outro, cada vez mais ardente, apenas ensaio da primavera que se anunciava. Mas toda estação tem seu fim. Estação é o fim. E também o começo.

Houve riso, houve flores, houve troca de amores. Houve trilha composta, escolhida meticulosamente para cada passo dado, para cada olhar censurado, para cada noite acordada, para cada manhã, de bobeira, a risada.

Mas é hora de outra temporada. Há cobrança, de todos os lados de um outro tema, de um outro motivo. E me repreendam se eu teimar. Eu prometo mudar, afinal a porta está aberta e só me resta cruzá-la. E é esse o caminho. Eu juro. Menos para aqueles que sabem que eu não sei mentir.

Ficou muita coisa guardada. Falas, gestos, textos. E até silêncio. É a pura lembrança presente. A amarga saudade, insistente. É a prova daquilo que nos faz diferentes.

Quanto tempo faz?


Ao inevitável som de...

Bebel, Dé e Cazuza

 
Foto: arquivo pessoal

terça-feira, 5 de janeiro de 2010



Passado o vendaval
Restos de cinza, poeira
Cabe dizer, que ao final
Minha metade continua inteira.


Aos amig@s e tod@s mais que passarem por aqui, meus desejos de um 2010 cheio de inspiração, saúde, sorrisos e prazeres!

Imagem capturada do blog www.migueldj.blogspot.com