A falta mais exata é daquele cheiro que eu não lembro. Talvez por ter passado de tal forma rápida e lancinante a ponto de não me deixar esquecer o resto, que ficou muito bem guardado.
Ouvi: - Não há fórmula! E esbravejo não ter visto se constatar o infalível método, já tão conhecido: de súbito, cretino, a me levar pela mão, dizer o mesmo repertório canalha, fazer um comentário dispensável, repetir as cenas batidas, ser previsível. Seria muito mais fácil. Junto com o sol, viria a decepção, amenizada pelo fato de ser esperada e a minha constatação científica de que é sempre assim e sobre o meu salto, protegida pelo peito estufado da experiência, destilar, em metáforas, o veneno de mais um mito quebrado. Arranharia o reverenciado quadro. Destituiria o festejado rei.
Mas não.
Ouvi: - Não há fórmula. E ali estava a sabedoria. Era frase hipnótica que mandou às favas minhas infalíveis receitas, meus escudos de proteção que mantiveram, quase sempre, pelo menos um pé bem firme no chão.
Olhos de serpente e coração de pedra. E na boca, além da maciez obscena, a frase cimentada a me imobilizar:
- Não há fórmula.
E não há. Lembro que o cinza da noite chegava até o chão do preto asfalto. Lembro que não havia mais ninguém. Lembro de duas mãos a segurar meu rosto garantindo que suas palavras-flecha entrariam por todos os buracos da minha cabeça oca, me fazendo crer que mais tarde, pouco tempo depois dali, seria amanhã e que dias adiante, haveria um dia de festa. Só do cheiro não consigo lembrar.
E eu tinha pressa. Queria o amanhã mais cedo. Queria o dia de festa que viria depois. E era tudo tão quase-certo, que mal podia esperar acordar. Aflita, escolhi ver o dia chegar. Mas o amanhecer, o entardecer e os dias seguintes provaram que o mais importante fora dito no início, feito cartão-de-visita e com isso, absolveu-se de todas as culpas:
- Não há fórmula.
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