Lendo as cotidianices tão bem retratadas pela Martha Medeiros, dei de cara com a minha própria fala. Sim, ela mesma, a tagarelice, a minha necessidade de dizer as coisas, de deixar tudo muito claro, de esgotar-me em textos, de me fazer ouvir e blá, blá, blá.
Há bem pouco tempo, num desses acessos de necessidade de dizer o que sinto para quem sentia, naquela hora, fui questionada sobre estar me humilhando, pois já tinha dito o suficiente. De pronto, o desacordo. Duplo. Não era humilhante. Não tinha sido suficiente. Ambos para mim.
Não era humilhante porque eu não estava pedindo nada. Pelo contrário, eu estava dando. O que eu fazia era entregar momentos, sentimentos, histórias que deveriam ser, necessariamente, partilhadas. Em pleno acordo com a Martha, (...) “Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ela é – ou foi – importante? Dizer, não como recurso de sedução, mas como um ato de generosidade, dizer sem esperar nada em troca. Dizer, simplesmente. (...) Por que negar ao outro aquilo que é dele, que na minha vida, sem essa divisão, não faria o menor sentido? Trancar vida vivida num vácuo infrutífero e impenetrável, me parece, no mínimo, perda de tempo. Calar essas palavras seriam dar continuidade a um jogo que eu nunca fiz a menor questão de jogar: o jogo da quietude, para manter no outro a sensação de dúvida, no aprisionamento da incerteza, uma máscara que em nada combina com a minha transparência. Prefiro o meu rosto limpo, ainda que, às vezes, molhado.
Suficiente, também ainda não. Isso era óbvio, porque a necessidade se formou. O abismo da ausência não impediu que as congruências continuassem a se construir, mesmo que restritas ao tempo do por enquanto. E se havia interseção, não era só meu. E sem pieguice, me soava como egoísmo guardar no meu espaço ímpar o que só surtiria efeito sendo par. E par, aqui, não precisa ser ao lado. Um par desformado, mas conectado, em algum lugar do universo, por algumas histórias que gravitavam ao redor de duas vidas e cujo desfecho, não foi exibido a dois.
Se você também concorda que foi humilhante e excessivo, saiba que esses dois adjetivos aparentemente pejorativos me serviram de grande alento. Causaram um belo suspiro de alívio. Sabe por quê? Porque eu dividi. Melhor ainda, porque eu entreguei a parte que não me cabia, ou que não cabia somente a mim.
Por isso eu carrego um certo orgulho em perceber que a palavra humilhação, no meu dicionário, aparece lá depois do “z”. Antes dela vem ainda a tentativa, a vontade, a verdade. Causa-me até algum sorriso a lembrança de todas as declarações feitas olhos nos olhos, na claridade, à meia luz, sussurradas ao pé-de-ouvido, ao telefone, por carta, bilhetes rabiscados ou por e-mail. E nenhuma delas por obrigação, ou cumprindo um ritual próprio e obrigatório das relações. Cada uma delas existiu por si e findavam em si. Eram o seu próprio universo. E habitavam boa parte do meu. Essa lembrança não me faz ridícula, nem tola. É meu próprio espelho e eu gosto da imagem que vejo.
Também não há a pretensão de concluir tudo. Não ouso querer terminar de assistir ao seriado lado a lado, ou enviar comentários de cada capítulo, caso eu os veja sozinha. Não me façam tão extrema. Não pretendo a nudez eterna. Mas mais uma vez de mãos dadas com Martha Medeiros, ratifico: “(...) mais que as mentiras, o silêncio é a verdadeira arma letal das relações humanas.”
*citações da crônica “Falar”, do Livro Doidas e Santas, de Martha Medeiros. Editora LP&M.
Imagem capturada do blog www.melzinhakoykoy.blogs.sapo.pt
20 comentários:
Moni
mto bom! o silenciar poderá afetar para sempre algumas vidas. O silêncio é o fim, a ausência, o não mais existo
quanto tempo passei tempos e tempos tentando descrever o que sinto.
e ainda nao consegui!
nos conhecemos, como nem um nem outro imagina.
mas livres como passaros...
Moni,
concordo com você
e com a Martha!
"Prefiro o meu rosto limpo,
ainda que, às vezes, molhado."
Sinceridade acima de tudo
- principalmente comigo mesma.
Se tenho vontade de falar
e há a disponibilidade do outro
em me ouvir,
aproveito e falo tudo!
Até o esgotamento das sílabas,
como lhe disse
recentemente!
Humilhação
é guardar inutilmente
o que sentimos...
Um abração, querida!
sabia que agora olhando sua foto aqui no blog, e vc citando martha medeiros, acho vc parecida com ela. rs...
tenho alguns livros dela. mas não esse "doidas e santas".
obrigado pelas visitas aos meus blogs. no futebolísticou eu comentei no post em que vc comentou.
grande abraço!
Colocamos a
humilhação
distante,
afastada,
atrás dos livros.
Mas ela,
às vezes,
não obedece.
Oi, Moni!
O conteúdo do seu blog é ótimo! Parabéns! Voltarei sempre! :)
Olha, eu também sou um pouco assim, gosto de tudo bem explicadinho! Gostaria de falar menos, de ser um pouco menos transparente. Às vezes, a gente sofre com isso!
Um abração!
Pedro Antônio
O silêncio é que propicia a palavra. O silêncio é que, no próprio Gênesis, faz nascer o Logos (ou o Verbo). O nada é que propicia a existência. Se somos, somos porque estamos suspensos no nada e somente a partir dele é que podemos criar. Se assim não for, encheremos nossos umbigos de crenças que nada nos trarão a não ser ambiguidades cientificistas. Isso que falo é Lacan e Heidegger. E talvez não se aplique às relações humanas, quanto mais em tempos de tanta desumanidade. Mas o que sonho quanto a isso, é o reconhecimento do outro enquanto Outro, do outro enquanto alteridade, diferente mas igual a mim. O que sonho quanto a isso têm quês de fraternidade universal kantiana, o que destoaria totalmente esse meu comentário que, apesar de sempre ter a pretensão de ser breve, acaba se alongando. Mas a paixão e a cumplicidade são mais coisas de pele que de letras ou vozes. Por isso, talvez o silêncio seja a única verdade do Universo. Assim, moça da inconclusões de cada dia, um beijo deste que lhe escreve. Eduardo Matzembacher Frizzo (do blog http://insufilme.blogspot.com/).
Nossa, você arrebentou nesse texto. E você sabe disso. Você sabe disso. Muito de dentro pra fora. Muito. Você golpeou de dentro pra fora.
E arrasa logo de cara, na constatação quase calma de que: "Não era humilhante porque eu não estava pedindo nada. Pelo contrário, eu estava dando."
Um abraço.
Olha só, Moni,estou em um momento da vida em que ando fortemente inclinado a dizer para as pessoas certas o quanto elas são importantes e venho tendo a grata surpresa da generosidade delas em também me ouvir.Depois de muito tempo guardando sentimentos,opiniões e afetos em um casulo pendurado no escuro do meu quarto(como um bom canceriano)resolvi olhar por sobre as aparências externas,embora encontre muitas decepções a percentagem por mais infima de achados compensa o resto.Curti muito teu blog.Cheguei aqui pelo amigo Eduardo Frizzo.
Fábio Zen
http://oficinamissoes.blogspot.com/
Entrei aqui e encontrei Martha, Clarice, Chico, palavras...Então, percebi que ME encontrei.
Adorei as relevâncias, os excessos, as quinquilharias e os blá-blá-blás. Tô seguindo!
Beijo!
Declarar um amor jamais será um ato humilhante.
Da mais nova seguidora,
Muito bom, o texto e as citações da Martha!
ps: estou numa fase de odiar o silêncio.
Vivi algo parecido há pouco tempo...confesso q por fim senti estar me humilhando...parei c td e agora sou mais eu...mt mais eu.
rsss
Em tempo, tb sou tagarela...rss
É isso aí.
Bjks
Isso me fez pensar, se foi ridículo ao ser aberto no que eu sentia em certos momentos da vida e a certas pessoas. Sim fui ridículo e me humilhei, pq? Pq me calei não disse nada, fiz que não era comigo. A oportunidade passou, as pessoas passaram, e eu perdi a chance de dizer o que eu sentia, e era bom. Hoje são todos fantasmas, pessoas e lugares, e eu fiquei lá no passado sem dizer o que devia ser dito, ocultando o que era precioso. Pq eu me humilho tanto?
Beijos
Fabrício
Renata, que fatídico, isso:
"O silêncio é o fim, a ausência, o não mais existo".
Verdade ácida, né?
Façamos bom uso de nossas asas, Paula!
Rê, perfeito! É inútil mesmo! Se ao menos nos servisse... ;)
Adolfo, sempre feliz com sua visita! Volte sempre!
Ítalo!!! Eu, parecida com a Martha??? rsrsrs... E olha, eu tenho foto com ela. Garanto que não parece nadinha! rsrs
Prazer, Herculano! Mas olha, a intenção é deixá-la atrás dos livros mais pesados! rsrsrs
Ô, Pedro...volte sim! E vamos deixar pra sofrer com outras coisas...com a transparência não!
Eduardo, tuas palavras enriquecem o meu pensamento! Adoro esses mergulhos teus!
Poxa, Priscila, obrigada! E acertaste na direção: é de dentro pra fora mesmo!
Fábio, bem-vindo! E que lucidez! O positivo, ainda que pequeno, é o que fica, o que faz valer a pena! Volte, viu?
Carol! Que bom que ficaste à vontade com quem encontraste por aqui... Volte mesmo...serás muito bem vinda!
Gisa!!! Tô te seguindo também, amiga!
Obrigada, Perolinha. E concordo. O silêncio (quase sempre) me é perturbador!
Venha sempre tagarelar por aqui, Élcio! Fico feliz que tenha encontrado um bom caminho pras tuas necessidades...
Bem-vindo, Fabrício! E é assim mesmo... Aos poucos a gente encontra o tempo que é o melhor tempo pra gente fazer o que acha correto... Volte sempre!
Atodos e todas, meu beijo carinhoso!
Moni, nós homens nem sempre temos essa medida das mulheres para dizer as coisas certas nas horas certas. Por vezes, somos broncos, fazemos tudo errado, só pioramos as coisas. Ótimo para refletir! E como diria um amigo baiano, você neste texto simplesmente "botou pra lenhar! (Rsss) "Beijo!
Devemos ser quem somos, sempre para que não haja a angústia de não ter feito, de não ter dito, de não ter amado. Bom final de semana. Bjs
Oi moni, hoje atualizei meu acanhado blog, aguardo vc por lá.
Beijos
Moni. Descobri seu espaço por outro espaço, e o letrativo aqui é brilhante. Nossa, me contento por escrevinhar pouco para absorver cada partícula deste universo pleno e intenso, e me vem à memória: "O silêncio é o grito mais forte". Shopenhauer
Abraços e paz
Priscila Cáliga
Postar um comentário