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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Dois dedos de prosa com Mário Gomes



Anoitecia lá no Dragão do Mar e eu encontro o poeta Mário Gomes. Ele abre de imediato um sorriso porque olho pra ele, como se olhá-lo fosse a obrigação de reconhecê-lo poeta. E que prazer, eu conheço o poeta!

Falei com ele, dos livros seus que tenho dedicados. Falei de um poema que ele fez pra mim e ele perguntou meu nome. Falei sem a ilusão de que a memória do poeta revirasse ao ponto de me reconhecer e usei como referência o nome da amiga e também poeta Nilze Costa, e dos “Poemas Violados”, onde estivemos tantas vezes juntos, lá no Estoril. Mário lembrou imediatamente. Lembrou dos detalhes da impressão do poema, numa folha grande e plastificada, com um furo para colocar na parede, e que irresponsavelmente não sei onde guardei. Talvez nem lembrou. Talvez era esse o padrão do poeta presentear com seus poemas. Mas seu sorriso me convidou ao pleno convencimento.

Mário, o poeta, vive na rua. Sua imagem suja, decrépita e sem qualquer cuidado, agarrado a uma garrafa de vinho barato, me comove e inspira. Alegra e entristece. Mas Mário não perdeu em poesia e eu guardo a certeza de que ela reside e pulsa sob aqueles trapos fétidos.

Mário parece louco.
Mário parece lúcido.

Mário não deixou de entender que a poesia une as pessoas. Não sei se verdade ou imaginação, insistiu em me convidar para um lançamento de livro sobre Fortaleza que haveria lá em cima. E que teria recepção. E que teria coquetel. E que ele estaria lá, às 19 horas.

Mário me emocionou pelo impacto do que eu já sabia. E eu, lúcida, tentando entender o seu lugar, entre perdas e escolhas, um ser ainda mais parecido com Marquês de Sade, empunhando a bandeira da poesia por onde anda, deliberadamente ou não, entre um trago e outro daquele vinho de quinta.

Mário hoje é da rua.
Mas Mário não é anônimo.

E a criança pedinte, da praça lá do Dragão, vendo a nossa conversa, a despedida e o aperto de mão, pergunta:

- A senhora conhece ele?
- Sim, ele é um poeta, sabia?
- Sim, ele sabe mais que nós tudim. Sabe até mais que a senhora.

Ora, menino... Até você sabe mais que eu!

O menino avisa que vez por outra, os outros até batem nele. É o vinho do Mário, ele fica indefeso. E eu peço pro menino não deixar isso acontecer, que chame um adulto. E o menino diz que não, que ele mesmo o defende.

Mário esteve na última Revista Farol. Mas antes disso, já se fizera eterno.
Pronto, Mário. És imortal. Que ação gigantesca!¹, como disseste, desaconselhável aos puritanos. A tua imagem, a tua poesia é esta cidade. É cotidiana e vivida até o último gole a tua “violenta orgia universal²”.


¹ - Ação Gigantesca - Vida e Obra de Mário Gomes
² - "Uma Violenta Orgia Universal" - antologia poética

Sobre o poeta, santo e bandido, aqui.