Era sexta. E José sai pra descansar como se fosse sábado.
É sábado. E Francisco é festejado, como o domingo, que é lindo, novela, missa e gibi.
Um vai. O outro fica. Ambos, inteiros, se deixam para todos. Paratodos.
José, o Saramago é um exemplo emblemático do que é extrapolar, ir além. O senso-comum o restringe ao universo cinematográfico do "Ensaio Sobre a Cegueira" ou de frases pinçadas pelos mecanismos de busca da modernidade, que aproximam a todos da epiderme de tantos, fazendo tuítar vorazmente. Assusta. É muito mais que isso. Foi além de livros, de fronteiras e nacionalidades. Doou suas palavras a todas as causas que o comoviam e as cedia como arma de luta em manifestos, cartas abertas, abaixo-assinados, notas e tantas outras formas que transformaram sua literatura num gigante de infinitos braços. A pontuação que insultava o fôlego dos desavisados, anunciava: falta ar nesse mundo turvo.
O outro, o Francisco, o Chico, ignora. Ignora o tempo, o gênero, a censura, a polícia, o entendimento reto. É homem a ponto de se fazer mulher para dizer fazer sentir o ser feminino. Fala de um amor inteiro, que chora sem esconder os olhos nem medir a altura dos soluços. Muito menos sem se preocupar com o rastejar aos pés da cama. É trilha de vida: de paixão, de ciúmes, de traição, de separação. E assim, junta pedaços de nós.
Em comum? Genialidade. Postura. O que desafiou em metáforas sutis a repressão escancarada da ditadura. O que criticou Barack Obama pelo bloqueio econômico à Cuba, revelando sua insatisfação após a euforia da esperança. O que declara voto, concorda que poderia ser bem melhor, mas ainda assim diz ao “caro amigo” o que acha: “volta, que as coisas estão melhorando”. O que se manifesta contra a pedofilia, o machismo e pelas causas ambientais. O que se assume: tímido no palco, tricolor e melhor escritor que músico.
Um não crê em Deus e o outro não se pune, nem deixa punir. Um não tem medo da morte, o outro roga pela vida. Donos de palavras, mais uma vez se distanciam apenas pela forma de dizê-las. De mãos dadas, questionadores do mundo.
Ambos fizeram da vida o seu melhor espetáculo. Usaram do tempo, deram voltas na história e construíram para si, intencionalmente ou não, a imortalidade. Aqui ou lá, seja “lá”, o lugar que for, jamais comporão repertórios de perda. Serão sempre ganhos. Sempre atuais. Sempre consultados. Sempre ouvidos. E do lado de cá, seja “cá”, também, o lugar que for, em qualquer tempo, haverá sempre público. Haverá sempre aplauso. Haverá sempre estréia.
Roda mundo, roda gigante!
Ambos permanecem. A ambos festejar e celebrar. A palavra se faz vida. E nela, nenhuma tarefa termina. “Deus lhes pague!”
* Trechos do Chico, em itálico;