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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Pro meu luto eu escolho uma cor só
Uma só canção
O turno da noite
E esse estado líquido
Que há de lavar, o quanto for preciso
O que preciso for...

Não tenho horário marcado.
O tempo é rei, mas a rainha sou eu.

'Não, eu não sambo mais em vão'
E o ano já é quase um passado distante, aquela agenda finalizada, guardada na gaveta, mas a quem eu posso recorrer cada vez que a saudade bater e der vontade de olhar pra trás.

Sem surpresa, posso também olhar para o espelho e constatar que as mudanças começaram há muito mais tempo e para elas não há mais agendas, nem gavetas. Está quase tudo submerso numa poeira que eu não ouso mexer...

Foram trezentas e tantas oportunidades e eu quero acreditar que eu fiz o melhor que pude. Ou pelo menos houve a intenção.

Valeu a pena.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008


Tô vendendo,
Tô doando,
Emprestando,
Trocando, consignando
Quero negociar.

Mas é tudo no varejo!

Sorriso tem pouquinho,
Alguns que restaram da última coleção.
Aguardo as novas tendências.
Mas estes, os remanscentes, são sempre artigo desejado,
Coringas, e com um jeitinho
Combinam sempre.

Tem telefonemas.
Quase sempre em horário comercial,
Quase sempre exigindo uma resposta,
Uma solução imediata.
Mas se você caprichar no ringtone,
Vai ficar lindo com o sorriso aí de cima!

Tempo é ponta de estoque.
Mas é sempre tão bom,
Tão procurado
Que inflacionou.

Tem ainda um bom estoque de presenças virtuais.
Estão sem etiqueta,
E necessitam de uma boa carga de pilhas pra fazê-los funcionar.
Mas há quem tenha disposição.
Por isso mesmo, para estes
Liquidação!

Amizades verdadeiras estão cada vez mais raras.
Essa coisa de pirataria tem prejudicado o ramo.
As poucas originais,
Com garantia,
Desculpem,
Viraram peças de coleção.

P.S.: O tempo, acima anunciado, infelizmente esgotou.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ainda volto para descobrir todas as luzes, para entender porque tão longe de casa, senti parecer ter enfim, chegado.

Volto para fazer os biquinhos necessários para me fazer entender no meu desejo de um Göffre ao pé da Torre, para dar rodopios à la Satine pelo Pigalle, para andar de bicicleta, para conferir a restauração da "casa" de Abelardo e Heloísa.

Volto para emergir de cada boca de metrô com a pressa de quem quer receber o presente que me espera... Volto para me misturar à Babel gentil que acolhe o mundo que a superpovoa para conferir e se render à inexplicável beleza.

Volto, um dia eu volto. E haverá sorrisos que não se importam com os frios que surgem por lá. Terei o coração quente.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Saudade

Saudade sem nome. Saudade das coisas que tinham nome, que objetivamente faziam falta e por isso compunham o universo da saudade.

Saudade da hora de deitar, quando as preces se limitavam aos pedidos de uma noite tranqüila, que não houvesse pesadelos, que não tivesse ladrões, nem medo do escuro. Mas o dia amanhecia rápido e o cheiro de café que tomava conta da casa atestava que tudo tinha corrido bem. A bênção, mãe. A bênção pai. Saudade de vocês. Do ser único que vocês eram pra mim.

Saudade das bobas preocupações, da semana de provas, dos meses de férias, do cheiro de livro novo. Saudade da campainha pra começar a aula, da campainha pra terminar. Saudade do mundo que eu conhecia tão pouco e tão bem, de tal maneira a dominá-lo como ninguém. Eu era mestra do tempo. Saudade de quando dava tempo pra tudo, até pra fazer nada.

Saudade de quando o amor era só aquilo que eu conhecia, um promotor de sorrisos espontâneos, de olhares perdidos no tempo, que causava frio no estômago, dor de barriga, rubor nas bochechas e medo de minha mãe descobrir. Saudade daquilo que eu ainda estava por descobrir.


Saudade de quando as dores conduziam no máximo ao choro e as lágrimas tinham um poder meio que adstringente, de limpar tudo e depois dos soluços não restava mais nada. Era só esperar o desinchar dos olhos. O máximo que as estripulias e os excessos causavam eram manchas roxas no corpo, jamais arrependimentos ou culpas. Saudade de não saber conjugar o verbo somatizar.

Mas o tempo foi passando e o mundo foi ficando grande demais. A vida foi impondo-me uma ruga na testa que foi se aprofundando à medida que todas as coisas, que antes eram meros acontecimentos, experiências, vida pura, passaram a ser obrigação. Foi ficando tudo sério demais. O que antes era descoberta tomou corpo, ganhou dentes e tentáculos, fazendo de mim um ser responsável por tudo o que me rodeava, ainda que estivesse bem longe de mim, que eu nunca viesse a tocar.

Preocupei-me com dívida externa, com privatização, com a ajuda operária à Bósnia, com a globalização, com a terceira via, com o imperialismo. Ou eu fazia alguma coisa ou... Ou o quê?

Ou nada. Passava também. E inacreditavelmente se transformaria em saudade. Saudade de quando eu achei que eu ajudaria a mudar radicalmente o mundo. Saudade de quando havia mais sonhos. Sonhos grandes, sonhos pequeninos. Apenas sonhos.

Saudade de quando havia tempo pra sonhar. Agora não, é tudo muito rápido e se eu perder muito tempo sonhando, lá se foi mais um bonde da história que eu, desatenta, não consegui pegar.

É tudo tão diferente. As preces são outras e muito poucas por mim. As preocupações são por demais subjetivas, além do meu alcance, dos meus poderes, do meu domínio e mesmo assim são exigidas de mim as respostas. Também não há o cheiro de café, a não ser que eu me disponha a fazê-lo, mas que com a velocidade dos ponteiros do relógio, saio de casa e nem percebo que ele tem um cheiro tão agradável que poderia aliviar a saudade.

Saudade de quando perder tempo não fazia falta, porque não dava pra ver o fim da estrada. Ainda não o vejo, é bem verdade, mas já sei que existe.

Saudade de quando fazer a coisa errada significava, no máximo, errar. Ninguém morreria por isso, ninguém sofreria e talvez nem percebesse. Os erros cabiam debaixo do tapete ou simplesmente escoavam, livres, para o profundo buraco do esquecimento.

Saudade de não passar o hoje inteiro lembrando que tem amanhã, pelo simples fato de que hoje tem mais importância, porque é agora, porque é o meu endereço, porque é o meu limite e principalmente porque ainda não acabou.

Saudade de ontem. E de quase tudo que o antecede.
Saudade, apenas.