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domingo, 7 de dezembro de 2008

Saudade

Saudade sem nome. Saudade das coisas que tinham nome, que objetivamente faziam falta e por isso compunham o universo da saudade.

Saudade da hora de deitar, quando as preces se limitavam aos pedidos de uma noite tranqüila, que não houvesse pesadelos, que não tivesse ladrões, nem medo do escuro. Mas o dia amanhecia rápido e o cheiro de café que tomava conta da casa atestava que tudo tinha corrido bem. A bênção, mãe. A bênção pai. Saudade de vocês. Do ser único que vocês eram pra mim.

Saudade das bobas preocupações, da semana de provas, dos meses de férias, do cheiro de livro novo. Saudade da campainha pra começar a aula, da campainha pra terminar. Saudade do mundo que eu conhecia tão pouco e tão bem, de tal maneira a dominá-lo como ninguém. Eu era mestra do tempo. Saudade de quando dava tempo pra tudo, até pra fazer nada.

Saudade de quando o amor era só aquilo que eu conhecia, um promotor de sorrisos espontâneos, de olhares perdidos no tempo, que causava frio no estômago, dor de barriga, rubor nas bochechas e medo de minha mãe descobrir. Saudade daquilo que eu ainda estava por descobrir.


Saudade de quando as dores conduziam no máximo ao choro e as lágrimas tinham um poder meio que adstringente, de limpar tudo e depois dos soluços não restava mais nada. Era só esperar o desinchar dos olhos. O máximo que as estripulias e os excessos causavam eram manchas roxas no corpo, jamais arrependimentos ou culpas. Saudade de não saber conjugar o verbo somatizar.

Mas o tempo foi passando e o mundo foi ficando grande demais. A vida foi impondo-me uma ruga na testa que foi se aprofundando à medida que todas as coisas, que antes eram meros acontecimentos, experiências, vida pura, passaram a ser obrigação. Foi ficando tudo sério demais. O que antes era descoberta tomou corpo, ganhou dentes e tentáculos, fazendo de mim um ser responsável por tudo o que me rodeava, ainda que estivesse bem longe de mim, que eu nunca viesse a tocar.

Preocupei-me com dívida externa, com privatização, com a ajuda operária à Bósnia, com a globalização, com a terceira via, com o imperialismo. Ou eu fazia alguma coisa ou... Ou o quê?

Ou nada. Passava também. E inacreditavelmente se transformaria em saudade. Saudade de quando eu achei que eu ajudaria a mudar radicalmente o mundo. Saudade de quando havia mais sonhos. Sonhos grandes, sonhos pequeninos. Apenas sonhos.

Saudade de quando havia tempo pra sonhar. Agora não, é tudo muito rápido e se eu perder muito tempo sonhando, lá se foi mais um bonde da história que eu, desatenta, não consegui pegar.

É tudo tão diferente. As preces são outras e muito poucas por mim. As preocupações são por demais subjetivas, além do meu alcance, dos meus poderes, do meu domínio e mesmo assim são exigidas de mim as respostas. Também não há o cheiro de café, a não ser que eu me disponha a fazê-lo, mas que com a velocidade dos ponteiros do relógio, saio de casa e nem percebo que ele tem um cheiro tão agradável que poderia aliviar a saudade.

Saudade de quando perder tempo não fazia falta, porque não dava pra ver o fim da estrada. Ainda não o vejo, é bem verdade, mas já sei que existe.

Saudade de quando fazer a coisa errada significava, no máximo, errar. Ninguém morreria por isso, ninguém sofreria e talvez nem percebesse. Os erros cabiam debaixo do tapete ou simplesmente escoavam, livres, para o profundo buraco do esquecimento.

Saudade de não passar o hoje inteiro lembrando que tem amanhã, pelo simples fato de que hoje tem mais importância, porque é agora, porque é o meu endereço, porque é o meu limite e principalmente porque ainda não acabou.

Saudade de ontem. E de quase tudo que o antecede.
Saudade, apenas.



6 comentários:

Tiago disse...

de saudade eu entendo sim!!

E muito!!

Fez meu coração apertar, mas é só saudade!

Acredito que saudade é bom! è uma dorzinha que ensina e nos faz compreender que somos humanos e que sabemos amar! Simplesmente amar!

bjos saudosos

Anônimo disse...

Meu coração chorou com esse texto. Chegando perto dos 50, tenho muita saudade, muita história e pouco tempo pra pensar nisso tudo. Obrigada por me fazer recordar da vida. Elan Popp.

nina rizzi disse...

saudade.. perguntinha retórica, mas... se a gente nao falasse português sentiríamos tamanha saudade? rs. acho que sim..

Mara faturi disse...

então...cheguei até aqui pelo blog da Nina, e...ADOREI; que fala mais sensível,que choro mais doce;senti os teus cheiros que aliviam saudades e os bebi gole a gole pela madrugada;)
bjo

Anônimo disse...

Vamos catalogar tudo, Moni. Esse tá simplesmente... [ ]. Isso, um suspiro, a essência.

um cheiro, lindinha.

Myrela disse...

Sniffff!!!! Pra que fui ler isso?!? Hoje tô chorando até pela morte do Johnny Alf(que eu nem lembrava que era vivo)...

As minhas saudades são outras...mas a dor de saudade é tudo igual.

Tu, inspiradíssima!