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sexta-feira, 6 de março de 2009

Sobre(o)natural.

Estou definitivamente convencida de que fantasmas existem. Existem sim e seu tamanho e poder são diretamente proporcionais à importância que damos a eles.

No primeiro momento, o susto e as naturais seqüelas de quem vê bem diante de si o que já se foi. A palidez no rosto, os infinitos instantes de catatonia, o corpo trêmulo, um respirar sem obter o ar necessário.


E ainda que emanem medo, os fantasmas conseguem aos poucos ir ampliando seu espaço, como se pudessem sobrepujar o tempo e o seu lugar reservado no passado, adquirindo a mobilidade indicativa do presente, o poderio da cotidianidade. E assim, passamos a freqüentar gavetas há muito esquecidas, caixas que pareciam definitivamente fechadas, antigas canções de um repertório já arranhado voltam ao topo da "playlist", fotos amareladas ganham de novo cor, deitamos sob lençóis de um cheiro revigorado. Presença reassumida. Fantasma institucionalizado.


E os fantasmas, nesse estado sem estado definido, se encaixam perfeitamente no vazio do quase. Do que foi quase-vivido, do que foi quase-perfeito. E passa a ser esse o rumo a partir de então: o rumo de uma quase-vida. Quase-é, quase se sente, quase se tem. Só que isso tem cara de quase-morte. A necessidade do que é palpável, do que é sensível é muito maior que o "quase" ora oferecido.


Sorte nossa, pois é nesta fresta que estão as chaves. Bem ali, ao alcance de nossas mãos para que tranquemos de vez os caminhos do ontem, aqueles que já foram trilhados e possamos enfim dar seguimento, mesmo que cambaleantes, com algumas baixas e um tanto sem fôlego. Esse rápido momento de decisão é o que abre espaço para os pecados: do fantasma tomar carne ou de diluirmos nosso desejo pleno nas suas possibilidades limitadas. Ou ainda o pecado de interrompermos o filme antes do grand finale pelo simples fato de seu enredo nos intuir um desfecho conhecido ou muito pouco desejado. Talvez seja melhor dar o destino que queremos aos personagens, nos apoderando da cadeira de diretor-deus, capaz de evitar a decepção da platéia, fazendo valer o que foi pago.


No mais, são só fantasmas. Não são inteiros. E nada pode ser inteiro, porque fantasmas carregam consigo, na bagagem, as mesmas roupas, os mesmos textos. Tropeçam nas mesmas pedras, engasgam nas mesmas sílabas. Sob seus pés, a mesma areia que sujou nosso tapete. Nada adiante. Nada imprevisível. Todas as portas, todos os caminhos precisam que nos viremos para trás para serem vistos. E lá, o sol já se pôs.


Podemos chegar a essa consciência em segundos. Ou em anos. Ou depois de várias vidas. Mas é só de posse dela que poderemos guardá-los na inviolável caixa das boas lembranças, de vidro blindado e chaves perdidas, onde ficarão confortavelmente adormecidos e que podem ser seguramente visitados. Estarão lá, para sempre. Recobertos de uma beleza que os tornará inofensivos e periodicamente presenteados pelos nossos sonhos e sorrisos.


Estou definitivamente convencida de que fantasmas existem. Existem sim e seu tamanho e poder são diretamente proporcionais à importância que damos a eles. Mas se você for o fantasma de alguém, considere apenas o primeiro parágrafo e faça dele um mantra. Do lado de lá, essa história tem outras cores, outros motivos e explicações. E não há ceticismo capaz de imperar.



Imagem capturada do blog: medicinaespiritual.blogspot.com


2 comentários:

Klycia Fontenele disse...

Muito, muito bom. Gostei mesmo e vou ler mais. Falando nisso, tem como avisar quando tiver postagem nova? Ele já está salvo nos meus favoritos.

bjs
Klycia

Mara faturi disse...

Dinda linda,

eu nem sei o que dizer...que adoro tudo o que escreve, isso não é novidade...mas esse texto em especial, me assombrou, assim como fazem os fantasmas...
Muitas vezes parece que você escreve o que trago em minha alma, então sinto o gosto, o cheiro, me sinto família em suas palavras, vc entende isso??
Bjos admirados ( não pelos fantasmas, mas por sua poesia, sua prosa)