Páginas

sábado, 24 de março de 2012

Da Liquidez


Rir de tudo e fazer rir sempre foi comportamento festejado. Aparenta simpatia, agrada como companhia, parece que a vida é de um todo bom. E é quase assim. A parte não tão boa, essa que é particular, melhor estar da porta pra dentro, onde as soluções são calculadas, vez por outra até encontradas.

Lá fora é preciso rimar com o sol. E o sorriso que ilumina, vira graça, conta ponto, fica bem diante do olhar-espelho do alheio.

Mas o choro também é raso e nele reside o extravaso. Quem não consegue rir além da própria piada, sente-se incomodado. Transforma de novo em gracejo, que surte efeito contrário.

À flor da pele, as lanças cortam facilmente. E a lágrima é necessária pra lavar o sangue invisível, aquilo que se esvai sobre o talho na pele. A contenção é a certeza da ferida aberta por mais tempo, exposta ao vento e ao sal. É dor na cabeça, que mira o chão.

Lágrima é palavra líquida. É resposta que pode não ser entendida, mas jamais impedida. Palavras precisam sair, como as lágrimas precisam rolar sob pena de virarem pedras a dificultar o próprio caminho ou serem atiradas contra o inocente.

Na poesia, o argumento de autoridade encontrado, que libera o choro, autoriza a palavra, sem qualquer punição:

“...pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra presa
palavra boa é palavra líquida
escorrendo em estado de lágrima
lágrima é dor derretida
dor endurecida é tumor
lágrima é alegria derretida
alegria endurecida é tumor
lágrima é raiva derretida
raiva endurecida é tumor
lágrima é pessoa derretida
pessoa endurecida é tumor
tempo endurecido é tumor
tempo derretido é poema
(...)
palavra lágrima é melhor
palavra é melhor
é melhor poema”

Alivia o choro vital. Lubrifica as engrenagens da alma. Alegra o choro da pura emoção. Aquele raro, que vem da alegria, do riso que não se contém e transborda pelos olhos, molhando os lábios, salgando a língua. Humaniza o choro bobo, que nasce de uma cena sem pretensão, de uma história da televisão, do abraço harmônico de uma canção.

Resultado líquido da própria aceitação.


* trecho do poema de Viviane Mosé.
** imagem retirada daqui.

3 comentários:

Carol Freitas disse...

Eu acho que se a sua dura demora em aparecer por aqui for sempre dessa liquidez de qualidade, espero por vc sempre, mesmo que eu tenha que contar estações.

Eu achei lindo. Eu achei justo.

Beijo, parceira!

Dany disse...

Mobenzim... tu tem o dom de reavivar minha capacidade de surpresa!!!
É cada vez muito melhor tudo que tu escreve.
Lindo e certo!
Beijos liquefeitos pela saudade

Dri Andrade disse...

Adorei. Leitura dinâmica (risos)


bjs