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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

E quase aos 33, um passado próximo...

Toda essa viagem no seu próprio tempo aconteceu aos trinta. Eram trinta anos, dos quais os últimos dez lhe trouxeram um tal peso que a fizera curvar as costas. E a linha do seu olhar também já não mirava o horizonte. O olhar fixo no chão parecia buscar as marcas das pisadas mais seguras, que garantissem menores riscos. Era um andar lento e um tanto desatento, visto que buscava sempre o que havia ficado para trás, revendo paisagens antigas, respirando cheiros já dissolvidos e que a fazia perder muitas coisas, inclusive tempo.

Naquela manhã acordara com quinze anos. Diante do espelho, nenhuma das marcas que exigiam cuidado lhe traziam preocupação. Sorriso nos olhos. Luz nos olhos. Borboletas batendo asas no estômago, provocando aquele aperto adolescente que se refletia em sinais bastante adultos por todos os cantos do corpo. Inquietude completa. Um desejo quase infantil de viver todos os dias naquele.

Assim passou o dia inteiro, debutando naquela novidade já tão familiar. E mastigou cuidadosamente cada uma das horas na intenção de retomar o comando, o compasso da respiração, o senso e tudo mais aquilo que se costuma perder nessa fase. Ainda que cheia de juventude, ficou para ela provado o quanto isso tudo também cansa e mantém longe do cais da tranqüilidade. E mais uma noite fez a roda do tempo girar. E acordara com a cabeça a salvo sobre o travesseiro, fiel e silencioso conhecedor de todo esse vai-e-vem. Tinha quarenta, enfim. E para sua surpresa, todas as marcas reveladas pelo espelho sugeriam uma beleza desconhecida e infinitamente superior àquela dos quinze. Viu que mais que "marcas de expressão", era necessário reconhecer "expressão de quê". E era do melhor.

No corpo uma leveza indefinível. Nem o curvo cansaço daqueles antigos trinta, nem a volatilidade perigosa dos quinze. Voaria, se quisesse, mas poderia prender-se ao chão, se necessário.

A música povoou a casa. Cantou e dançou sem pudores, feito criança. Mas com a consciência daquilo que fazia, feito mulher. Estava tudo claro e arejado. O dia parecia muito mais bonito, simplesmente porque decidiu olhá-lo como o é. Estava inteira e definitiva em si.

Experimentou o sabor de dizer não, de recusar aquilo que não materializava seus desejos, sem sentir culpas pela negativa e nem a mutilação de se obrigar ao que não queria. Disse sim a algo simples, mas que de certo era algo que queria, o que causaria sorrisos largos por quaisquer motivos, pelo simples fato do poder da escolha, independente dos horários, das conduções, itinerários e satisfações.

Usou seu perfume mais fresco e saiu pela rua. Caminhos tantas vezes trilhados, demorados, tinham outra cor e o tempo gasto, se demorava, não importava. Não havia pressa. Não há pressa.

Dali em diante, acordar, independente de com qual idade, significava obrigação de viver. Cada minuto, cada instante. Sem a necessidade de visitar o passado nem de se preocupar com os séculos que estavam por vir.
(Coisas de 2005...)


Imagem capturada do blog www.copacabanadetoledo.blogger.com.br

Um comentário:

Bebel disse...

Nai,
É um passado que é futuro e se fará presente brevemente.
:)
Beijos encantados