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sábado, 19 de junho de 2010

De sexta pra sábado, entre Josés e Franciscos



Era sexta. E José sai pra descansar como se fosse sábado.

É sábado. E Francisco é festejado, como o domingo, que é lindo, novela, missa e gibi.

Um vai. O outro fica. Ambos, inteiros, se deixam para todos. Paratodos.

José, o Saramago é um exemplo emblemático do que é extrapolar, ir além. O senso-comum o restringe ao universo cinematográfico do "Ensaio Sobre a Cegueira" ou de frases pinçadas pelos mecanismos de busca da modernidade, que aproximam a todos da epiderme de tantos, fazendo tuítar vorazmente. Assusta. É muito mais que isso. Foi além de livros, de fronteiras e nacionalidades. Doou suas palavras a todas as causas que o comoviam e as cedia como arma de luta em manifestos, cartas abertas, abaixo-assinados, notas e tantas outras formas que transformaram sua literatura num gigante de infinitos braços. A pontuação que insultava o fôlego dos desavisados, anunciava: falta ar nesse mundo turvo.

O outro, o Francisco, o Chico, ignora. Ignora o tempo, o gênero, a censura, a polícia, o entendimento reto. É homem a ponto de se fazer mulher para dizer fazer sentir o ser feminino. Fala de um amor inteiro, que chora sem esconder os olhos nem medir a altura dos soluços. Muito menos sem se preocupar com o rastejar aos pés da cama. É trilha de vida: de paixão, de ciúmes, de traição, de separação. E assim, junta pedaços de nós.

Em comum? Genialidade. Postura. O que desafiou em metáforas sutis a repressão escancarada da ditadura. O que criticou Barack Obama pelo bloqueio econômico à Cuba, revelando sua insatisfação após a euforia da esperança. O que declara voto, concorda que poderia ser bem melhor, mas ainda assim diz ao “caro amigo” o que acha: “volta, que as coisas estão melhorando”. O que se manifesta contra a pedofilia, o machismo e pelas causas ambientais. O que se assume: tímido no palco, tricolor e melhor escritor que músico.

Um não crê em Deus e o outro não se pune, nem deixa punir. Um não tem medo da morte, o outro roga pela vida. Donos de palavras, mais uma vez se distanciam apenas pela forma de dizê-las. De mãos dadas, questionadores do mundo.

Ambos fizeram da vida o seu melhor espetáculo. Usaram do tempo, deram voltas na história e construíram para si, intencionalmente ou não, a imortalidade. Aqui ou lá, seja “lá”, o lugar que for, jamais comporão repertórios de perda. Serão sempre ganhos. Sempre atuais. Sempre consultados. Sempre ouvidos. E do lado de cá, seja “cá”, também, o lugar que for, em qualquer tempo, haverá sempre público. Haverá sempre aplauso. Haverá sempre estréia.

Roda mundo, roda gigante!

Ambos permanecem. A ambos festejar e celebrar. A palavra se faz vida. E nela, nenhuma tarefa termina. “Deus lhes pague!”

* Trechos do Chico, em itálico;
** Sugestão pra acompanhar: Roda Viva

25 comentários:

Anônimo disse...

E nós, os piões. Porque antes, bem antes, outro poeta já disse que o mundo é mesmo um moinhs, tritura os sonhos mesquinhos e reduz as ilusões a pó.

Lindo, Moni! Linda!

beijo

Carol Freitas disse...

Quem constrói mundos não morre. Saramago já terminou de construir o dele, foi descansar. Chico, espero, ainda está em 'Construção'.

E nós? Somos felizes.

Perfeitinho demais, Moni ;)

Aline Costa disse...

Sabe quando a gente assiste um bom filme e sai mudo do cinema, remoendo as emoções, sem vontade de falar, se deixando em silêncio num misto de contemplação, alegrias, angústias?
Assim fiquei lendo esse pre-sente-a-deus...

Feitosa Rocha disse...

Haja fôlego. Um dos melhores textos que já li. "Traduzir" Saramago e Chico? Só uma amante chamada Mônica Saraiva.

Aninha Kita disse...

Admiráveis comparativos e lindos sentimentos, Moni!

Sempre me encanto com seus escritos!

Beijinhos,
Ana.

Feitosa Rocha disse...

Haja fôlego. Um dos melhores textos que já li. "Traduzir" Saramago e Chico? Só uma amante chamada Mônica Saraiva.

RICARDO disse...

Moni
Brilhante Construção!
Jose e Chico, Chico e Jose.Tijolo com tijolo num "texto" mágico.
Parabéns(de novo)moça.
Bjo!

Eduardo Trindade disse...

Entre Zé e Chico, temos tanto a aprender com eles!
Bela homenagem, parabens...
Abraços!

ítalo puccini disse...

noooossaaaa,
moni,
babei, surtei, morri,
e aquelas expressões todas que tu conheces!

maravilhosa essa tua costura-escrita!

encantadora!

grande beijo!

Sidnei Olivio disse...

Apenas repito os comentários acima! Brilhante, Moni. Beijos

Luciano Azevedo disse...

Um leitura inteligente, poética e comovente desses que construíram (constroem - porque a obra fica)nossos dias. Um domingo tão leve e lindo quanto seu texto, Moni.

Anônimo disse...

Você foi muito feliz neste artigo,muito! Uma delícia ler você!
Muito bom!
( já sou fã!)


Neusa Doretto

Renata de Aragão Lopes disse...

Moni, amiga querida,
fiquei comovida com suas palavras...

Com o elo que desenhou à mão livre
entre as memórias de José
e as lembranças de Chico.

O Doce de Lira
fez homenagem explícita
a alguém que partiu
pra sua Ilha Desconhecida...

Um beijo
e obrigada por este momento,

Anônimo disse...

Há muito, cada linha encanta.

Sou sempre aqui.

Paulo Rogério disse...

Você está bem acompanhada sob a proteção da generosidade, genialidade e comprometimento de ambos.
Beijo!

Wilson Torres Nanini disse...

A interação entre os três (autores traduzidos e poeta que os decifrou) teceu um abrigo pra essa hora de ruminar a notícia trágica. Maravilha tecitura!!!

Abraços!

Talita Prates disse...

Moni, querida!
Estou comovida!
Que BELA homenagens aos dois grandes homens!

Parabéns, parabéns...

Um bjo,

Talita.

Sylvia Araujo disse...

Moni, Moni, Moni...

E dentre Franciscos e Josés, um mundo inteiro de sentimentos e causas impossíveis a levantar bandeira bem dentro, depois do que eu li aqui.

Lindíssimo!

Beijoca

Poesia Inclusiva disse...

adorei!

Felipe Carriço disse...

Ambos são meus prediletos!

Acho que independente de todas essas homenagens, póstumas ou não, estes Josés permanecerão eternamente vivos em suas letras.

~*Rebeca*~ disse...

Duas pessoas, dois mundos, dois gêneros, mas com a mesma paixão no sentir.

Beijo imenso, menina linda.

Rebeca

-

Ivan Bueno disse...

Oi, Moni.
Cheguei aqui por meio do blog da Sylvia (Abundante-mente) e já dou de cara com um texto sobre Saramago e Chico.
Fiz também um texto em tentativa de homenagem ao Saramago, meu autor predileto contemporâneo (como costumo dizer há anos incansavelmente).
Senti a perda, foi-se o homem, fica a obra. Fica forte, mas sua perda, como ser vivo, deixa uma lacuna, como se o mundo tivesse perdido um de seus principais "neurônios". O mundo ficou um pouco mais burro sem Saramago. Perdi, de certa forma, um amogo.
Chico também é quem é. Chico se defino pelo próprio apelido. Basta dizer Chico e está dito. Obras grandiosas, cabeças acima da média.
Vou lendo suas relevâncias, seus excessos, as quinquilharias e os blá blá blás, que me parecem interessantes. Leio e sigo. Boa descoberta, esta. Apareça lá pra conhecer meu Empirismo Vernacular, leia, comente, dê pitacos, exceda-se sem medo, que terá relevância, ainda que sobre algum escrito meu que não passe de blá blá blá. Fica o convite.
Beijo grande,

Ivan Bueno
blog: Empirismo Vernacular
www.eng-ivanbueno.blogspot.com

Evandro de Souza Gomes disse...

Moni, um grande presente, a grande descoberta feita na virada do semestre.
Tudo mais é silêncio ............ Ouça no fundo as palmas!
Belíssimo texto
Parabéns

Abraço

Raquel Crato disse...

Muito bem feito! Parabéns pelas palavras

Marcus disse...

Lindos! Os três.